domingo, 17 de julho de 2011

Buenos Aires também é festa: os donos são peruanos

Daniela Penha - Buenos Aires

A rua Florida, uma das principais de Buenos Aires, é um dos maiores pontos comercias da cidade. O “calçadão” portenho, cortado por lojas e galerias de todo o tipo, também é o local de trabalho dos vendedores ambulantes que expõem sua diversidade em mercadorias – roupas, sapatos, artesanatos, brinquedos – pelo chão, fazendo uma fila que, assim como os pontos oficiais, segue por toda a rua. 

Com uma só mirada, fica claro que a maioria desses comerciantes informais não são argentinos. Bolivianos, uruguaios, peruanos, colombianos: a Florida é a “calle” dos latino-americanos. Hoje, quem passou pelo local das 16h às 19h pôde, além de ter essa certeza, presenciar um espetáculo. Desses espetáculos que na metade da Copa América concluí que só acontecem no e pelo futebol.

Nesse horário, o Peru fazia um belo jogo eliminatório contra a Colômbia. A equipe da Rádio Unesp Virtual caminhava pelo calçadão em direção a praça San Martin onde, mais tarde, seria transmitido o jogo que eliminaria a Argentina do campeonato. A animação dos peruanos, no entanto, contagiou e fez com que a caminhada demorasse muito mais do que o usual. 

Sentados perto de suas mercadorias, para não perder o movimento espantoso que tem o calçadão no sábado à tarde, os peruanos arrumavam maneiras de escutar o jogo. Alguns dividiam um fone de ouvido em dois ou três. Rádios de pilha, celular, tudo era modo de captação. Todo bar, restaurante ou “kiosko” com televisão virava centro de informações. Um ficava por lá assistindo e ia gritando para os outros o que estava se passando. Uma comoção completa. 

Paramos para escutar o jogo com eles. Acabava de ser cobrado um pênalti e a movimentação era grande. Nenhum dos peruanos queria parar de ouvir para falar com a gente, não sabemos bem se por timidez ou pelo jogo. Dois homens escutavam em um fone de ouvidos e uma mulher, ao lado deles, repassava as informações à outra pessoa por celular. Com os ânimos mais acalmados, nos contaram um pouquinho de si. 

Os dois homens, um tanto receosos, não quiseram passar os nomes completos. Um disse se chamar Alfredo e o outro John. Alfredo, que está há 7 anos na Argentina, disse ser grato ao país, guardando-o em segundo lugar no seu coração: “Meu coração é metade peruano e metade argentino. A Argentina abriu uma porta para mim e eu a agradeço. Mesmo assim, em uma  final eu torceria pelo Peru”.

Opinião compartilhada pela mulher ao lado, Gladys Cortez. Ela vive há 20 anos por aqui, é casada com um argentino e tem um filho metade-metade, porém em uma decisão não deixa o seu país: “O meu coração é dividido, mas a Argentina vem em segundo”. Falava, porém mantendo-se atenta ao minutos finais do jogo.

Seguimos caminhando e a movimentação não parava. Agora, o Peru acabava de fazer o segundo gol.  Jorge Coveñas, que está na Argentina há 17 anos, trazia no peito a camiseta peruana e não parava de pular e cantar.  “Eu torço pela Argentina, mas antes vem o Peru. É gol! É gol”. 

A rua já chegava ao fim, e a alegria peruana continuava a aparecer. Vendedores de buzinas as tocavam em comemoração. Alguns se abraçavam e outros deixam os clientes de lado para pular e cantar um pouco. Era a festa do patriotismo. Do sentir-se em casa, comemorando algo que é realmente seu. 

Eu, há longos 5 meses fora de casa, que nada são perto das dezenas de anos que contabilizam alguns peruanos longe das suas, senti vontade de comemorar também. Senti mais vontade ainda de ver o Brasil ganhando esses jogos que vem pela frente. Senti uma vontade muito grande de convocar os brasileiros/argentinos e gritar gol. E, mais ainda, senti vontade de voltar para casa e comemorar, de fato, o Brasil que eu tenho por lá.

Alfredo fez  todas as suas vendas de sábado usando fone de ouvido (Foto: Daniela Penha)

Gladys Cortez: Marido argentino, filho metade-metade, coração peruano (Daniela Penha)

Jorge Coveñas vende uniformes da Argentina, mas hoje usou Peru (Foto: Daniela Penha)

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